Pensamentos econômicos no mundo pós-pandemia
Já virou lugar-comum dizer que vivemos uma crise sem precedentes e diferente de outras. Quase 90% dos países enfrentarão uma recessão no ano de 2020 e cerca de 80% apresentarão retração no PIB per capita. Por exemplo, recentemente a economia americana registrou uma retração de 5% no PIB no primeiro trimestre e a França divulgou a expectativa de queda de 11% do PIB nesse ano. Já o relatório Focus, mostra uma perspectiva de contração de 6,25% para o Brasil em 2020.
Parafraseando Paul Krugman, Prêmio Nobel em Economia, as economias foram colocadas em coma induzido pelos governos diante da opção de distanciamento social como resposta aos surtos de contágio. Agora que as economias parecem tentar acordar desse coma, nos resta tentar delinear o que será daqui pra frente. Nesse caso, devemos pensar num cenário de mais curto prazo, que diz respeito ao que pode acontecer nos próximos três meses, e outro cenário de médio prazo, tratando mais diretamente de 2021.
Para os próximos três meses, entre os diversos desdobramentos possíveis, destacamos dois cenários que acreditamos serem os mais prováveis e que abarcam a maioria das possibilidades. O primeiro deles, mais otimista, e que parece ser o cenário base da maioria dos analistas, está alicerçado na hipótese de que o gradual processo de abertura e retomada da atividade iniciado em maio terá continuidade sem que haja um significativo impacto das segundas ondas de surto de COVID-19 sobre a atividade. Assim, surtos localizados teriam como resposta das autoridades públicas a retomada do distanciamento em algumas cidades, mas nada comparável com a paralisação de abril. Assim, a atividade retornaria com mais força já em junho e continuamente a partir do terceiro trimestre.
O cenário alternativo, mais pessimista para o curto prazo, trata de abarcar a possibilidade de novos surtos com ondas de intenso fechamento da economia ao longo de todo o ano de 2020 até que se chegue a um elevado grau de imunização da população ou a um tratamento/vacina para a doença. Nesse caso, os impactos econômicos seriam ainda mais catastróficos, tendo em vista que a cada tentativa frustrada de abertura, os impactos econômicos se multiplicariam com pressões sobre as autoridades públicas para agirem com ainda mais rigidez.
No cenário mais otimista conseguiríamos retornar ao patamar de fevereiro de 2020 até o final do primeiro semestre de 2021. No cenário alternativo teríamos um maior volume de perdas permanentes na nossa capacidade produtiva e seria necessário bem mais de um ano para reestabelecer o patamar anterior.
É importante lembrar que as medidas lançadas pelo Governo Federal para amenizar os efeitos da pandemia na economia são paliativas, não evitam uma queda forte da atividade e perdas irrecuperáveis para as indústrias. As medidas mais agressivas são sociais e ajudam pouco as indústrias de forma direta. Por exemplo, a política de crédito mais contundente, aquela em que o Governo arca com 85% do risco, foi destinada, inicialmente, apenas para as despesas com a folha de pagamentos, ou seja, para que a empresa pague o salário de um funcionário que muitas vezes está proibido de trabalhar. Veja que nesse caso o Governo quer que o empresário se endivide para fazer política social.
Além disso, o Governo Federal tem poder de fogo limitado, a dívida pública se aproxima de 100% do PIB, o que é muito acima do que os demais países emergentes apresentam. O Instituto Fiscal Independente, ligado ao Senado, aponta um cenário de déficits fiscais durante toda a década de 2020, ou seja, as receitas serão insuficientes para pagar as despesas primárias levando ao crescimento da dívida pública. Não há dúvidas de que o desafio fiscal brasileiro para os próximos anos será gigantesco. Portanto, precisamos aprender a conviver e produzir num ambiente com o vírus. A dicotomia entre preservar vidas e a economia é falsa, inclusive no que se refere à perda de vidas, na medida em que há um dano permanente provocado pela depressão econômica.
O cenário que esperamos para 2021 coloca o Brasil diante de um grande dilema. A necessidade das finanças públicas é de ajuste, mas a pressão popular, das corporações e o próprio legado da crise pressiona o Governo Federal para ampliar os gastos. Dois pilares sustentam a estabilidade econômica nesse período de crise: o Teto dos Gastos e as Reservas Internacionais. Sem eles, a turbulência desse momento teria sido ainda maior com efeitos mais permanentes sobre a estabilidade da economia.
Deixando de lado o caso brasileiro também podemos pensar do ponto de vista das macrotendências. Sabemos que sempre depois de uma crise global, o mundo tende a apresentar reações que não são tão diretas como imaginamos. Preciso lembrar que ainda estamos no meio da pandemia e a sua duração total e número de vítimas será crucial para intensificar a forma como vamos significar esse momento.
Do ponto de vista econômico, o que essa crise fez foi acelerar e ressaltar processos e comportamentos que já estavam acontecendo, ainda que de maneira mais comedida. Nesse caso, não falo apenas da digitalização da economia, que acelerou as mudanças na educação, turismo de negócios e formas de consumo, mas também do comércio internacional. Nos últimos anos, já se observa uma tendência de deixar as fronteiras entre os países mais demarcadas por conta da intensificação nas disputas comercias e sociais. Agora, os defensores de uma economia mais fechada ganharam um palanque importante. A disputa entre segurança, através da internalização das cadeias produtivas, e eficiência, por meio da melhor exploração das vantagens comparativas, pode pender mais para segurança. O grande penalizado disso será o crescimento mundial de longo prazo, que tende a ser menor a partir de agora.
Dr. André Nunes de Nunes
Economista-chefe da FIERGS
Artigo publicado no Espaço SINDIMETAL 81