Holding: Mitos e Verdades

Em tempos de hiper acesso à informação, parece que conseguimos a proeza de saber sobre tudo e estar mais confusos. Há uma grande dificuldade de se fazer um juízo de veracidade acerca das informações acessadas, especialmente em relação àquelas cujo autor tenha indisfarçáveis razões para que o destinatário venha a crer na sua procedência. Por vezes, também, o convencimento dá-se pelo fato de que acreditar naquilo que está sendo propagado é algo muito sedutor aos olhos daqueles que acabam por se submeter, não a uma desinteressada divulgação de conteúdo, mas sim a verdadeiras peças publicitárias. Ah, como é difícil resistir ao prazer que se tem quando soa a música que se queria ouvir…De qualquer forma, em tempos nada confiáveis, vale se ter sempre presente a lição que nos foi legada “por nossos avós”: nada mais destrutivo do que juntar ganância com ignorância.

Dito isso, pode-se adentrar no tema que aqui se pretende examinar. A denominada holding, embora se apresente com roupagens distintas e objetivos diversos, trata-se de uma pessoa jurídica cuja finalidade consiste precipuamente na administração dos mais diversos ativos, principalmente bens imóveis, direitos e participações societárias (quotas sociais ou ações).

Nesse sentido, os bens e direitos pertencentes a pessoas naturais (físicas), ou mesmo de uma pessoa jurídica que tenha uma determinada atividade produtiva, apartam-se delas e passam a compor o patrimônio de uma pessoa jurídica constituída com a finalidade de administrá-los. Os outrora titulares dos bens passam, pois, a serem sócios ou acionistas da comumente denominada Holding.

Entre as vantagens apresentadas, destacam-se (a mais sedutora delas!) a denominada “blindagem patrimonial”, bem como a eventual dispensa de realização de inventário, em caso de falecimento do patriarca/matriarca detentor das quotas ou ações, além de ser possível reduzir fortemente a incidência de tributos sobre as receitas obtidas a partir da exploração de tais bens e direitos. Também, seria possível, num plano prático, realizar uma gestão mais eficiente de ativos e, por isso, organizar de uma forma consensual e harmoniosa uma espécie de planejamento sucessório.

De fato, há algumas boas razões para se constituir uma holding. Porém, há de se ter presente, que não se está diante de uma espécie de remédio que possa ser aplicada como solução a “todos os males”, especialmente quando sequer males existam.

A propalada “blindagem patrimonial”, obviamente, é muito difícil de se garantir. Além da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica (artigo 50 do Código Civil), há determinados ramos do direito (como trabalhista e tributário) com regras próprias que visam garantir uma efetiva satisfação de valores devidos a credores.

Quanto à dispensa de inventário, simplesmente não se confirma, pois para herdar eventuais quotas sociais ou ações da holding tal procedimento é necessário. A única forma de se evitar os custos de um inventário, inclusive do imposto incidente da transferência de patrimônio dele decorrente, seria a realização, em vida, da cessão onerosa de quotas sociais ou ações para os futuros herdeiros. Todavia, há de se ter muitos cuidados com tais operações comumente denominadas de “compra e venda de quotas e ações”, pois a legislação confere poderes ao Fisco de desconsiderar atos eventualmente simulados. Ou seja, a cessão há de ser efetiva (com pagamento comprovado) e pelo valor de mercado da empresa. Quanto a este último aspecto, reside a principal insegurança, pois há um grau elevado de subjetividade para definição do “valor de mercado”, sendo que o fisco estadual não vem aceitando a celebração de negócios jurídicos que utilizem como base os valores contabilmente registrados, quando forem inferiores ao do mercado, normalmente apurados a partir do denominado EBITDA. Nesses casos, o Estado vem entendendo que se trata de uma “doação de quotas” e como tal deverá submeter-se a incidência do imposto respectivo (ITCMD).

Em tese, procede a ideia de que em uma holding é possível realizar uma gestão mais eficiente, bem como pode haver uma redução dos custos tributários. No entanto, dependerá muito de como vier a ser administrada, bem como do tamanho do patrimônio que vier a ser integralizado. De fato, por exemplo, a eventual obtenção de receitas com aluguéis de bens imóveis possui uma incidência de tributos menor na pessoa jurídica (optante pelo Lucro Presumido) do que teria caso fossem tributadas na pessoa física. Porém, há discussões jurídicas ainda não superadas acerca da incidência de ITBI para fins de integralização de capital, seja em razão da atividade exercida pela holding não estar abrangida entre aquelas que usufruem a imunidade constitucional para tais operações, seja pela discussão acerca do valor do bem imóvel integralizado. Além disso, há de se ter um patrimônio considerável (avaliável caso a caso), pois constituir e manter uma pessoa jurídica implica significativos custos burocráticos. De qualquer forma, há de se considerar o horizonte da reforma tributária em curso, pois tendencialmente implicará a ampliação da incidência de tributos (IBS/CBS) sobre as atividades das holdings.

Enfim, trata-se de uma escolha que precisa ser muito bem avaliada, sem cairmos na tentação de acreditar naquilo que mais nos convém, sem também sermos vítimas de uma inimaginável espécie de médico que prescrevesse um fármaco cujo único beneficiário fosse ele próprio e pior do que ser um placebo fosse prejudicial ou no extremo letal, aquele que acreditou piamente na cura. No dialeto do Vêneto – cultuado por nossos antepassados italianos – há uma expressão que pode nos ajudar a sintetizar o que aqui foi dito: “versi gli occhi” (ou “apra gli occhi” em italiano)!

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